Berlim alternativa, e a despedida.
Aconteceu em 1 de Junho de 2016.
Meu último dia em Berlin amanheceu chuvoso e escuro. Como eu
estava na cama de cima e não havia um lugar próximo para deixar o celular,
tinha que deixá-lo ao lado do travesseiro. Isso me deixava com pouco de medo de
desligar o alarme sem perceber e perder a hora limite pra fazer o check out:
onze da manhã. Com essa preocupação na cabeça acabei acordando umas 8:40, antes
mesmo do despertador! Nos
demais dias procurei manter minhas coisas organizadas e dentro da mochila,
então não tive problema em juntar tudo rápido e descer para a recepção.
Feito o check out deixei minha mochila maior no
"depósito de malas" (luggage storage) do hostel, o que me permitia
andar o dia todo sem precisar ficar carregando-a. No depósito eu conheci
a Bruna, uma brasileira muito simpática que vive na Irlanda e também estava no
seu último dia. Ela comentou que estava indo a uma Walking Tour alternativa, que passava pelas galerias e graffitis da
cidade. Com poucas palavras trocadas já estávamos combinando de irmos juntos
(aquela magia da amizade de hostel). Como já tinha visto quase todos os pontos
turísticos e estava sem muitos planos para o dia chuvoso, foi uma sorte me
juntar a ela.
A tour
alternativa começava na East Side Gallery, que é a maior e mais famosa área de
graffiti dos restos do Muro de Berlim. Infelizmente estava chovendo não tivemos o mínimo de pessoas necessárias
para fazer a tour, então a guia que estava no local nos deu um mapa das
atrações alternativas e algumas dicas do que fazer, para seguirmos o caminho
por conta própria.
Continuamos pela East Side Gallery vendo várias imagens ora
psicodélicas, abstratas, ou até provocativas, que representavam a visão do povo
em relação ao muro. Do lado oposto do muro também vimos protestos em favor dos
refugiados da Síria. Este assunto tem sido alvo de muita polêmica em toda a
Europa, e mesmo a Alemanha sendo um dos países que mais recebeu refugiados, ainda
havia uma população dividida, e partidos políticos contra os refugiados vinham
ganhando popularidade.
Com essa discussão em mente coincidentemente nossa próxima
parada foi uma periferia africana (acredito que jamaicana). O pessoal era
simpático e a comida tinha uma boa cara, lembrava até a comida brasileira.
Achamos o lugar acolhedor mas preferimos não comer ali... o restaurante não
parecia ter muita higiene, e os clientes estavam chapados demais.
O que me chamou atenção no lugar é que no muro que dava
direto para o rio estava escrito: "refugiados bem vindos". Com toda
essa polêmica na Alemanha, e controvérsias em relação a acolher ou não
refugiados Sírios, foi poético ver essa frase em uma periferia com o símbolo da
Mercedez Benz girando imponente no alto de um prédio ao fundo.
Nossa caminhada seguiu pelo bairro Kreuzberg, passando por uma área mais residencial e com pouca presença de turistas. Seguindo o folder do tour alternativa, fomos para o mercado Markthalle Neun Berlin, onde comi o meu almoço mais gostoso até agora: um lanche Gourmet de fatias de carne de pouco defumadas com um molho típico de Berlim chamado Grill Sauce e verduras. Pra acompanhar escolhi uma cerveja Pale Ale da região, que casou muito bem. Este mercado é uma ótima opção pra se comer bem e barato, pois tem diversas barracas diferentes que se dedicam muito no preparo da comida. Aprendi que no geral comer em lugares afastados dos pontos turísticos é uma ótima experiência, pois sem o atrativo da bela vista ou da fácil localização, estes restaurantes só tem uma forma de te conquistar: qualidade da comida.
Saindo de lá comemos um sorvete Magnum (não tem diferença
para o vendido no Brasil) e pegamos um trem rumo ao Museum Island, um parque
com cinco museus lindos, rodeados por rios, no centro da cidade. Eu já havia
passado por aqui no primeiro dia, mas ainda não havia parado para conhecer os
museus. Quisera eu ter feito isso antes, pois há um pacote especial para se
visitar todos os museus de dezoito euros, enquanto individualmente custaria
doze. Mas como já estava no meio da tarde do último dia, não teria tempo hábil
para ver todos eles. Além de quê a Bruna ainda não
havia conhecido os principais pontos da cidade. Eu me lembrei de como fui
ajudado no começo pelos meus amigos londrinos, e decidi retribuir isso para
ela. Combinamos de fazer uma Walking Tour para lhe mostrar as atrações e a
história de Berlim.
Musem Island |
Dessa forma passamos pelos principais pontos que havia visto
no meu primeiro dia, como a Universidade, as Catedrais Alemã e Francesa, e o
Reichstag Building. Apesar de ter visto o Brandeburg Gate ao longe, dessa vez
tive a oportunidade de atravessar aquele que era um dos portões entrada da
cidade em tempos antigos, e tornou-se um símbolo de união da Alemanha após a
Guerra Fria, bem como um símbolo da vitória contra Napoleão.
Próximo ao tradicional portão, presenciamos um protesto da
comunidade turca de Berlim. Não consegui entender ao certo o motivo do
protesto, mas soube que o Parlamento alemão estava votando naquele dia uma
decisão que afetava os turcos, e estes diziam que o Parlamento alemão não
representava os seus interesses. Mas a manifestação era pacífica e tinha em sua
maioria pessoas de idade.
Nós paramos um pouco pra comer algo e descansar a minha
sofrida perna na entrada do parque Tiergarten, uma gigantesca área verde que no
passado era usada como campo de caça para a família real. Hoje fora
transformado num adorável parque no meio da agitada Berlim. Acabamos não entrando no parque em si, já que ainda estava nos nossos
planos ver o Museu do Holocausto.
Brandeburg Gate |
A apenas uma quadra do parque e do portão Brandenburgo estava
o controverso monumento às vítimas do Holocausto. Olhando de fora se parece
apenas com um conjunto de pedras. Na época de sua inauguração a obra foi
duramente criticada por ser "fria" e não fazer as devidas homenagens.
Mas foi andando por entre as pedras que eu consegui sentir a ideia proposta. Os
blocos de pedras alinhados representam a rigidez do regime nazista. O solo é
todo irregular e as pedras se diferem em tamanho e inclinação. Ao entrar no
monumento todo o barulho da grande metrópole em volta para, e andar ali te dá a
sensação de confusão, de estar perdido. É como alguém tentando te explicar essa
tragédia na história.
Ao final do monumento eles transformaram o antigo Bunker do
Hitler em um museu do Holocausto, um dos lugares mais pesados que visitei. O
museu conta sem meias palavras o que aconteceu em cada período da história para
resultar no assombroso massacre de 6 milhões de judeus. Desde os líderes
políticos, a vítimas, histórias de famílias, depoimentos de sobreviventes, a
cartas de prisioneiros falecidos. Até no final relatos de como vivem hoje em
dia os sobreviventes.
Holocaust Memorial |
Ao final de nossa passagem pelo museu nosso dia turístico
também chegava ao fim, não apenas pelo horário que já passava das 18hrs, mas
também pois a minha perna já estava pedindo uma trégua. A dor aumentava e eu
começa a chegar a conclusão mais óbvia do mundo: de que tênis Converse não foi
feito para caminhadas.
Voltamos para o hostel e tivemos uns minutos de descanso
antes de irmos à uma loja Primark para procurar um novo tênis. Minha nova amiga
conhecia o lugar e me recomendou darmos uma passada lá. A loja é um grande
magazine de roupas e acessórios, e até havia coisas muito baratas. Mas como o
câmbio não estava favorável, só conseguiria mesmo comprar um tênis tão
desconfortável quanto o que já estava usando.
Saímos de lá então e fomos para frente do Alexanderplatz. O
fim de tarde ia chegando e aquele sentimento de despedida de Berlim começou a
bater. Lá estava eu em frente a esta mesma torre onde eu havia chegado no
primeiro dia de madrugada, agora com um sentimento totalmente diferente. Ali
próximo da onde estávamos havia uma artista de rua dando um show com violão e
voz. Seu nome era Alice Hills, uma talentosa musicista, com uma voz suave e acolhedora.
Ficamos ali ouvindo alguns sons, e eu facilmente me entretive com a magia do
momento. Sabia que aquele show seria a minha despedida da cidade. E Alice
começou a cantar Hallelujah.
Nessa hora eu olhei para a torre, e a torre olhou para mim.
Tudo o que vivi em Berlim passou pelos meus olhos rapidamente no decorrer da
canção, e no refrão não me contive e deixei uma lágrima cair. "Até logo
Berlim", eu pensei, "e obrigado por tudo"...
Alexanderplatz |
Na
Estação de Ônibus cheguei com antecedência para ir a uma conveniência e comprar
a minha última cerveja de Berlim: uma Wicküler pilsen. Na pressa de comprar e
sair correndo quase me custou a pasta com todos os meus documentos.
Minha sorte foi voltar correndo e encontra-la no chão.
Como não era
permitido entrar no ônibus com bebida, bebi a minha em goles rápidos. Até que
então entrei e finalmente pude descansar em segurança. Como parecia ser um
costume, o WiFi aqui também não funcionava, mas eu ficaria bem sem internet. O
ônibus ligou o seu motor e pela janela me despedi de Berlim com saudosismo.
Ajustei o meu travesseiro e fechei os meus olhos para minha noite na estrada. A
minha próxima aventura me aguardava bem longe dali, há seiscentos quilômetros de
distância e sete horas de viagem, em Cracóvia, na Polônia.
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