Budapeste Comunista, e A Estátua da Liberdade
Aconteceu no dia 7 de
junho.
Estátua da Liberdade (olha eu ali) |
Na minha primeira
noite em Budapeste havia dormido muito bem! Eu sou uma pessoa fácil de se
adaptar em outros ambientes, mas também as camas do Amazing Hostel eram muito
confortáveis. E por falar em conforto eu havia planejado minha viagem para
carregar pouca roupa, o suficiente para metade do percurso. Há pessoas que
viajam ainda com menos! Mas para a minha primeira experiência eu já estava
orgulhoso. Pois bem, o Hostel também tinha o serviço de lavanderia por uma taxa
bem simbólica (isso tudo pode ser pesquisado antes), e enquanto minhas roupas
estavam na máquina, aproveitei para ir numa grocery store comprar o café da
manhã: alguns pães, frios, e suco. Seria o suficiente para lanchar nas horas
vagas, e custou uma bagatela. Ao voltar ao Hostel vi que a recepcionista fez a
gentileza de pendurar as roupas varal pra mim, o que achei muito legal da parte
dela. Então eu apenas comi e já me arrumei para a caminhada.
Great Market |
Dessa vez a caminhada
passaria pelo outro extremo da cidade. Eu estava interessado em subir o morro
da Estátua da Liberdade (calma, não é a sua EUA). No caminho vi um
senhor vendendo discos de vinil na rua, coisa que adoro e não se encontra com
facilidade no Brasil. Mas me imaginar colocando um disco na mochila me fez
desistir de procurar, afinal eles são frágeis.
Minha próxima parada
foi no Great Market, que era um mercado municipal tradicional, onde vendiam
desde vinhos, especiarias, a hortifrutis, realmente de tudo. Eu dei uma volta
por algumas lojinhas e achei o lugar muito acolhedor, com uma atmosfera de
simplicidade é carisma. Não só os preços eram ótimos mas também os vendedores
eram atenciosos. Eu só não comprei nada dessa vez pois eu ainda teria uma longa
caminhada, e não me imaginaria carregando um vinho morro acima.
Liberty Bridge |
Depois passei pela
Liberty Bridge, que era conhecida também por ser possível subir nela (na base
do improviso) e relaxar curtindo a vista.
Preciso fazer uma
pausa pra falar sobre a Estátua da Liberdade, vem comigo... Quando a Hungria
estava sob regime socialista, foram construídos inúmeros monumentos em
homenagem a Stalin, e ao comunismo. Todos esses monumentos (quase todos) no
entanto foram destruídos ou devolvidos à Rússia. A Estátua em questão está no
alto de uma colina, e é o ponto mais alto de Budapeste (de toda a cidade é
possível vê-la). Ela foi criada também como um símbolo de vitória do comunismo
no país. Devido a sua beleza, decidiram manter a mulher de braços erguidos
segurando uma vinha, porém retiraram a simbologia do comunismo nela. Então
cobriram a estátua com um grande lençol branco, e depois a
"rebatizaram" como Estátua da Liberdade, agora um símbolo de
liberação da Hungria (ou um abridor de garrafas gigante para os íntimos).
Morro para a Estátua da Liberdade |
O parque em volta do
morro para se chegar ao topo era lindo. Havia até pessoas parando no meio do
caminho para fazer piquenique e tirar fotos, e aparentemente poucas pessoas
faziam aquele caminho. A maioria preferia pegar o ônibus turístico chamado Hop
on Hop off, que te leva nas atrações. Particularmente não sou muito fã dessa
ideia de ônibus pois acredito que o trajeto também está cheio de histórias e
aventuras a se lembrar, e viajar não se trata apenas de tirar fotos em lugares
turísticos.
Ao chegar ao topo
depois de uma linha subida debaixo de um sol forte eu olhei para estátua
imponente de braços erguidos e ela parecia me saudar pela chegada. Eu levantei
meus braços de volta para a Estátua da Liberdade, e respirei o ar do ponto mais
alto da cidade. Um ar com um gostinho de vitória pela caminhada, e uma sensação
de liberdade ao curtir a vista da cidade.
Atrás da estátua
estava a Citadela, que eu criei muita expectativa para ver mas estava fechada.
Ainda no alto do morro, logo ao lado desses dois monumentos estava um belo
parque onde se localizava o Jardim da Filosofia (Garden of Philosophy), onde
não havia muita gente e eu me permiti ficar um pouquinho em silêncio, bebendo
uma água e curtindo a atmosfera do local.
Vista da Estátua da Liberdade (Elizabeth Bridge lá embaixo) |
Na volta eu desci
pelo outro lado do morro, que é menos íngreme e tem estradas para acessos dos
carros. Passei por uma área urbana e andei até a Elizabeth Bridge, ponte em
homenagem a Rainha Elizabeth da Bavaria, famosa rainha do império Austro-Húngaro que eles adoravam. Como não era
diferente das demais pontes, a Elizabeth também era majestosa e dava uma bela
vista do rio Danúbio e de ambos os lados da cidade.
Eu estava voltando
para Peste, para o ponto de encontro da Free Walking Tour, para dessa vez me
juntar a Tour Comunista. Essa caminhada fez uma análise bem detalhada na história
do país no período da Ditadura Comunista, enquanto andava pelas ruas e via
ainda os reflexos de sua passagem. Independente da sua visão política vale a
pena conhecer como foi esse período negro na história da Hungria (e do leste
Europeu).
No regime de Stalin
todas as pessoas tinham que trabalhar, e era crime não ser um trabalhador. Para
de ter uma ideia a polícia parava as pessoas na rua e pedia pela carteira de
trabalho, e quem não tinha a carteira registrada era preso. Como todo o sistema
era focado em produção/industrialização, houve-se muito desmatamento nessa
época, bem como depreciação da cultura e da filosofia.
Arquitetura do período comunista |
A arquitetura das
casas era a mais pobre e simples possível, pois as construções nesse período
visavam economia e não conforto e qualidade. Eram em tons cinzas e tristes. Ainda era possível ver alguns
prédios feios desse período que não puderam ser demolidos, pois ainda são
habitados. Inclusive um deles fica ao lado da Basílica St. Stephen (a mais
importante da cidade), dando um contraste bizarro a um dos mais importantes
cartões postais da Hungria.
E por falar na
Basílica, nesse período as igrejas pararam de funcionar, pois a religião ia
contra os ideais do movimento. Os templos eram muitas vezes transformados em
clubes com piscinas, e lugares de recreação. Devido a sua localização
geográfica (longe da URSS), a Hungria ainda teve um regime comunista mais
“light” do que comparado a Rússia e a Romênia, onde pessoas passaram fome.
Antiga rodoviária (as malas eram colocadas em cima) |
Monumento aos Judeus |
Após conhecermos
alguns prédios ainda habitados que eram evidência dessa história, e ouvirmos a
história dos apuros que a família da nossa guia (que era húngara) já passara,
paramos em um monumento controverso que o governo inaugurara recentemente para
homenagear os judeus mortos na segunda guerra. Havia até uma ativista
entregando folhetos explicando a tal controversa. A Hungria foi aliada da
Alemanha na segunda guerra mundial, e como tal enviou judeus aos campos de
concentração. O monumento é um anjo segurando um globo dourado, enquanto uma
águia dá um voo rasante. A interpretação mais óbvia, claro, é de que o anjo é a
Hungria entregando os judeus (globo de ouro) a águia (Nazismo). O protesto, no
entanto, era pacífico.
Em seguida fomos a um
dos únicos monumentos soviéticos que não foram removidos, na Praça da
Liberdade. Este obelisco com o símbolo soviético foi erguido em homenagem aos
soldados do exército vermelho que morreram na libertação da Hungria do Regime
Nazista. Um acordo foi feito entre o governo e a Rússia manteve o monumento na
praça, indo contra a vontade de muitos húngaros. Mas em contrapartida, há ali
estátua de Ronald Reagan, erguida em parceria com o governo dos Estados Unidos.
Reagan está de frente para a praça da liberdade, e de costas para o Parlamento,
como se estivesse ali vigiando os soviéticos e defendendo a democracia.
Ronald Reagan |
Ainda em direção ao
parlamento passamos pelo monumento de Imre Nagy, antigo primeiro ministro
considerado um herói contra o comunismo. Ele foi executando na luta contra o
comunismo e se tornou um mártir. Sua estátua está olhando em direção ao
Parlamento, em uma ponte escorregadia que liga a praça da liberdade ao Parlamento.
A mensagem desse monumento com a ponte simboliza o quão árduo é o caminho do
comunismo ao capitalismo. E Imre Nagy está no meio desse caminho, pois ele
morreu sem ver seu sonho realizado.
Encerrando a Tour
Comunista conhecemos o Parlamento, e vimos as marcas de balas de canhão da
revolução de 1956 nas colunas do Ministério da Agricultura, que ficaram
registradas numa exposição deste dia de terror no subsolo da praça.
Os Sapatos no Danúbio |
Depois dessa
caminhada cheia de fatos históricos, despedi-me dos amigos que fiz na tour e
comecei a me programar para almoçar, pois já era tarde. Passei pelas margens do
Danúbio para ver mais um belo monumento chamado “Sapatos do Danúbio”, em
homenagem aos judeus que foram forçados a se jogar no rio sem seus sapatos.
Isso era uma forma de humilhação, pois morrer sem seus sapatos era o mesmo que
morrer sem sua dignidade.
Por recomendação da
guia da caminhada, as sete horas da noite, estava eu a caminho de almoçar no
restaurante Frici Papa. Foi então que vi uma garota alimentando uns gatos de
rua, e achei o gesto muito bonito. Parei para observar e começamos a conversar.
Seu nome é Rita, e ela é uma turca morando em Budapest. Em poucos minutos de
conversa nos demos muito bem, e trocamos celulares. Ela se ofereceu para me
apresentar a cidade no dia seguinte.
Parlamento |
O almoço no Frici
Papa foi delicioso e muito acessível. Por uma bagatela de 1400 florins (ou 4,5
euros) eu comi um prato delicioso de bife de goulash com macarrão e uma taça de
vinho. O restaurante tinha pinturas renascentistas na parede e era um lugar
muito agradável.
De volta ao hostel
após um longo dia de mais de quinze quilômetros de caminhada (já peço perdão
pelo post extenso), comecei a planejar meu último dia em Budapeste. No meu
quarto conheci um garoto de Hong Kong chamado Jason. Ele havia acabado de fazer
18 anos e nunca havia ido num bar. E adivinhem quem foi o percursor da sua vida
boêmia? Sim, este que voz escreve. Rapidamente lhe disse que estávamos no mesmo
quarteirão do Szimpla, um dos melhores bares do mundo, e que este seria um
lugar bacana para ele conhecer. Ele aceitou meu convite! O bar estava
abarrotado de gente de todos os tipos e todos os lugares do mundo, e Jason
tomou o seu primeiro chop com um brasileiro que provavelmente ele não iria se
lembrar do nome no futuro, mas certamente se lembrará de como se divertiu.
Também conversamos com algumas garotas (o que era difícil para ele) e depois
nos encontramos com a Leslie, da recepção do hostel.
Monumento a Imre Nagy (repare como a ponte é irregular) |
E apesar de rápida, a
nossa noite foi bem divertida. Afinal, após um longo dia cheio de caminhadas,
aventuras, e muita cultura, não era de se espantar que as minhas energias chegassem
à reserva cedo. O bar ainda estava cheio quando saímos, e voltamos para o
hostel. Essa experiência que vivi certamente não pode ser tirada somente dos
livros, pois estar no lugar e ver as suas mudanças é algo sensacional. Eu ainda
iria aprender mais sobre as cicatrizes do comunismo nas cidades que ainda
estavam por vir, mas algumas das adversidades passadas na Europa há cerca de
trinta anos atrás acontecem de forma similar no nosso país. Isso me ajudou a
refletir e entender a situação em que nossa nação se encontrava. Não que vou
comparar o Brasil a uma ditadura, longe disso. Mas somos uma democracia nova, e
ainda estamos passando por um processo de transformação que já fora vivido em
lugares como a Hungria. Mas não se preocupe, eu não vou me prolongar no assunto
de política. Pelo menos não aqui. Pois agora eu já estava de volta ao hostel, e
me programando para acordar cedo e iniciar meu último dia em Budapeste. Acredite,
eu fiquei bronzeado em plena Europa!
O pessoal do hostel fez
a gentileza de dobrar minhas roupas que estavam secando e colocar em cima da
minha cama. Com as energias que me restavam, guardei-as na mala, programei o relógio
para despertar, me deitei para ter uma ótima noite de sono.
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próximo post o meu último dia na Hungria...! Curta, compartilhe, e explore o
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